Emboscada
Guerreiros atentos caminham cautelosamente por entre árvores milenares, com armas e escudos em punho. Neve incessante deposita-se aos poucos entre as frestas de suas armaduras, suas longas barbas e capacetes. Não passam de oito e quem guia o pequeno grupo é um guerreiro de renome, Ingmund Teiwar.
Sob o comando brusco e silencioso de Ingmund, seus comparsas param subitamente. Todos focam sua atenção para o que parece ser a saída da densa floresta. Pouco antes de retomarem a marcha lenta e cuidadosa, uma flecha assovia entre as árvores, acertando em cheio o rosto de um dos guerreiros.
Sem muita chance de reação, arqueiros revelam-se sob as copas das altas árvores. Eram muitos. O zumbido único da flecha logo trouxe consigo um verdadeiro enxame, uma saraivada letal recaiu sobre o grupo. Ingmund Teiwar levantou seu grande escudo de madeira-ferro. Aparou algumas flechas e buscou cobertura em um gigante tronco, sem antes ser atingido por duas flechas, uma em seu ombro, outra na coxa.
O resto do destacamento protegeu-se como conseguiu, porém as setas atravessaram peito, coração e cabeça de grande parte deles. A neve branca destacou o sangue derramado em solo sagrado.
Após cessar o som das flechas, misturado com grunhidos abafados, daqueles que foram fatalmente atingidos, silêncio instaurou-se entre as árvores. Os arqueiros voltaram-se a esgueirar-se entre as copas quilométricas. Uma voz estridente ressoa, rompendo a mórbida quietude da floresta
_Ingmund Teiwar! Não há saída!
A voz, que mais parece o grito de um animal sendo abatido, surge vindo de todas as direções. Uma voz conhecida por Ingmund, a voz do infame e covarde Mor Vinir. Seus acordos nefastos com criaturas malignas da floresta lhe conferiram não só uma reputação lamentável, como poderes sombrios além da compreensão da maioria das pessoas.
Surgiu diante de Ingmund, a cerca de 10 metros, uma cabeça. Esta cabeça possuía o tamanho e o formato de uma cabeça humana. Cabelos compridos e ralos escorriam pela face. Olhos afundados em um semblante de dor. Lábios repuxados e secos, não podiam esconder seus dentes afiados.
Ingmund segurou firme o cabo da espada e sentiu o sangue escorrer pelo seu braço. Tinha a confiança que, daquela distância, seria capaz de atingir qualquer criatura de forma letal. Sentiu seus músculos contraírem involuntariamente. Tentou movimentar-se, mas não pode, estava paralisado. Presumiu veneno nas flechas, mas não descartou os poderes sobrenaturais de Mor.
A cabeça diante de Ingmund, começou a aproximar-se lentamente. A voz agonizante questiona: Quando suas ações deixaram de fazer sentido, Ingmund? Não se arrepende do que fez com seu pai? E seus irmãos? Posso ouvi-los daqui cantando a toada do eterno verão.
O corpo de Mor surge gradativamente conforme se aproxima. Toca gentilmente a face de Ingmund, que consegue apenas emitir grunhidos indecifráveis, enquanto escorre saliva espumante de sua boca. “Um animal Indefeso”, Diz Mor em tom de compaixão e pena.
Ingmund começa a perder a consciência e ouve a voz de Mor dentro de sua cabeça, um assovio estridente questiona: PARA ONDE VOCÊ OS LEVOU??
A sensação de cair em um vazio sem ter onde se agarrar, leva Ingmund para dentro de sua própria mente. Na imersão de seus sentidos, encontra-se em reino onírico. Nota que seus braços estão acorrentados, está sendo conduzido por More através de suas próprias lembranças.
As primeiras imagens que surgem são de sua vila, imagens banais de sua infância em Huur, os rostos de seus pais e irmãos. Sua adolescência, suas brigas e desafetos, suas vergonhas e seus amores. As lembranças parecem reais, com apenas um detalhe: em todas elas, em algum lugar está a presença do infame Mor Vinir.
Sua memória então repousa em sua iniciação como protetor do clã Teiwar. Diante dele está seu avô e patriarca Kaak a lhe entregar a espada que empunha até hoje. Mor Vinir, neste momento, revela-se a poucos metros de Kaak, manchando esta lembrança com sua presença espectral.
Kaak olha profundamente para os olhos de Ingmund e em vez de recitar os votos sagrados do clã, como sempre faz em suas lembranças, disse, profundamente com voz grave e retumbante: DESPERTE! Sentiu todo o seu corpo arrepiar e pode testemunhar Kaak, virando-se pra desferir um golpe violento na presença sombria de Mor Vinir.
O arrepio sobe sua coluna e ao despertar, sente todo seu corpo formigar de ódio. Mor está em sua frente, ainda recobrando a consciência. Com um movimento preciso, sem precisar fazer muito esforço, Ingmund atravessa a horrenda cabeça de Mor com sua espada.
Após o corpo cair debilmente no chão, sua visão depara-se com incontáveis arqueiros. E incontáveis flechas caem em sua direção.
Dan. D
Nota: Este conto é inspirado em um mundo criado junto com meus amigos através de muitas campanhas de R.P.G. Neste caso, a história se passa no norte deste mundo. É um conto ancestral que conta a formação dos antigos clãs.