quarta-feira, julho 18, 2007

Analise do sistema e do Zôo Humano. Parte III

Naquele momento me assombrou imensa solidão. No frio, na apatia que o cigarro me trouxe, na distancia de tudo.
O quarto, não era mais o mesmo, deixou de ser quente e confortável, e descobri que na verdade nunca o foi, o queria assim então assim o era.
Em silencio comigo, sem possibilidades de gritar ou falar, encarei-me em linhas, musicas, poesias, contos e pensamentos.
O gosto forte do tabaco em minha boca, e o odor de antigo e frio do meu quarto.
Choquei-me.
Realidades se puseram em minha mente durante o tempo ali. Compreensão e absoluta idealização de um mundo que não pertence a ninguém. Onde todas as dores já foram sentidas, todos os pecados descobertos e cometidos, e devidamente administrados perante uma lei, totalmente bizarra, deturpada insípida e dolorosa.
Me senti distante e próximo do ser humano. Identifiquei-me com seu lado mais nefando e com o seu lado mais afável, curioso e criador.
Um aglomerado de intelectos afiados e tantos outros desprezíveis, irrisórios, tendo como algum consolo apenas o fato de poderem, talvez, amar.
Por mais que eu tenta-se retirar alguma lição do mundo, e que quiser-se me separar dele e de seu povo, me vi então, humano e tão glorioso e pecaminoso quanto.
Me vi santo e padre, solidário, o trabalhador honesto, uma mãe que ama, e o pai que protege o filho amado, apaguei chamas e salvei pessoas, Prendi os assassinos, ensinei crianças e vi-me morto, com uma família em torno de mim, e sabia que nunca me esqueceriam.
Em contrapartida, Me vi como o assassino, o ladrão, o marido e pai bêbado, a mãe cruel, o depravado, o marginal imundo, indigente jogado, o delinqüente chorando de noite sem saber que o que sente é amor e culpa. Coisas que ninguém disse pra ele o que era.Vi-me sem vida novamente, mas agora sem família, jogado ao chão como estatística de mortos de frio.
Vaguei pelas cidades como o cão sujo e fui atropelado sem dó, fui caçado pelas florestas com caçadores atrás de minha pele, cai em solo sem vida como um pássaro. Devoraram todas as partes do meu corpo em um restaurante. Fui a natureza devastada e queimada, marcada a ferro por trilhos, abriram em mim cicatrizes de caminhos humanos.
Mas então voei também como um pássaro livre sobre as cristas das montanhas, passei por serenos riachos tranqüilos como um peixe. De longe protegi minha família como um leão deitado sobre uma arvore. Como rio, deslizei do alto de uma montanha formando cachoeiras. E como mar, recebi todas os rios do mundo em meu corpo.
Fui Gaia, linda e frutífera para com todos e tudo.
Diante da fração de um todo, e de sentimentos cruéis e lindos, delicadamente egoísta.
Me vi feio, porém, bonito a meu modo.
Somos todos apenas, um só, em tudo, em uma fração de presente.
Agora.
Poderei chorar com seus olhos e com lágrimas dele. Mesmo sendo a minha face.
Posso chorar com orgulho de uma culpa pecaminosa da humanidade e alegrar-me com orgulho de atos dignos de um ser.... De um ser...
Paro de escrever por algum momento e olho a luz de sol pálido, que entra pela janela e que ilumina a ponta de meu caderno, sorrio com os olhos. O quarto se torna uma esfera. O mundo fica em preto e branco e explode em cores, em tons de passado e futuro. O quarto torna a ficar confortável e quente. Então, concluo:
Posso chorar com orgulho de uma culpa pecaminosa da humanidade e alegrar-me com orgulho de atos dignos de um ser... Mutável.

4 comentários:

Anônimo disse...

Texto contagiante. Acredito que assim como eu, quem leu, foi sentindoo que foi escrito. (ou tentando).
Mesmo sabendo que somos todos da mesma classe sempre ignoramos e fechamos os olhos para os que nem o amor lhe resta mais.
Talvez uma cama nojenta de um quarto nojento de uma cidade nojenta. O cigarro sobre o ar condicionado que não esquenta nem parte de quarto.. faz a gente pensar e pensar e até entender, mas no final é sempre a mesma coisa: não podemos fazer nada.
E isso me faz quase afirmar que apesar de sermos mutáveis, não conseguimos sequer permanecer intactos.

estamos diferentes de dois meses passados e iremos estar diferentes daqui dois meses.. é sempre assim.


será mesmo que só o amor é luz?
e isso tá certo?

Anônimo disse...

me recuso a tecer comentários.

Thiago Minnemann disse...

Po, muito boa descrição da experiência. Experiência difícil de classificar, mas algo como "experiência de consciência" sabe. Bem, agora vc sabe, tem consciência de que somos seres absolutamente mutáveis. Seres ainda que entes transitórios, por isso mutáveis, como eu disse num certo dia no pouso sob o céu estrelado. "Tudo muda, nada permanece" disse Heráclito, disso que se trata, é a condição humana. Outra coisa que vc descreveu bem: a ambiguidade psicossomática do homem, corpo se contrapondo à consciência, matéria à alma, nada radicalizado, apenas o equilíbrio das duas dimensões em que tudo é bonito ao seu modo, por simplesmente existir, ser.

Só discordo quanto ao fato de amar ser um consolo.

Preciso de café

Muito bem!

Borra Borrão disse...

Um turbilhão de descrições, cheias de análises morfológicas, tão detalhadas que chegam a ser poéticas... mas a que mais me chamou atenção foi: "sorrio com os olhos".

Isso é apenas para os espontâneos. Nunca consegui tal proeza.