quarta-feira, fevereiro 25, 2009

Construções

Noite, verão , chuva
luz,relâmpago,sorriso
bebidas,cigarros,vácuo

vida,idéia,varanda
vestido vermelho, ponta
musica,grama, lua

madrugada, manhã
garrafas quebradas
violão cantando sozinho

passos,trilhas e margens
despedida ébria
beijo instigado
abraço engraçado
sentimento com vírgula
gargalhada com eco


segunda-feira, fevereiro 16, 2009

Tradições

As velhas danças
As velhas notas
Daquela mesma canção

As anedotas
Mesmas palavras
Para sussurrar baixinho
Ao lado do berço
Do leito

As velhas botas
Descansando quietas
No mesmo chão de quartel

As miragens de glória
A mesma conduta
E os sorrisos de papel

As velhas lutas
Os mesmos direitos
A mesma explosão

A mesma fortuna
Valiosa permuta
De notas em vão

O mesmo espírito
De aspirar horizontes

Novo modo antigo
De beijar
A face a boca
Da solidão

O velho andar pra frente
Um antigo respirar
Em um plano de fundo ausente
Uma nova maneira de usar
A velha visão.



quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Tarde de Mais



Luzes, carros, sirenes, vultos, gritos, caos, noite e de súbito; silêncio.
Cambaleou pela calçada, acompanhando a água do meio fio, que corria mais ligeira do que ele. Chovia pouco, o que indicava que o dia amanheceria nublado; não se importava, já estava encharcado.
Com as mãos enfiadas dentro dos bolsos da jaqueta surrada, sentia-se invencível, pelo menos por fora.
Pisava duro na estrada de pedestres, imunda cheia de poças e lixo. Passava por pessoas felizes saindo de lugares estranhos, porém ninguém passava por ele.
Um sorriso idiota e perdido escapou da sua cara de chapado. Algumas luzes ainda piscavam na sua mente, outras tantas anunciavam o local que estava procurando.
Entrou no prédio velho e acabado, amassado dentro de outros tantos mais acabados ainda.
De dois degraus que subia da escada, descia um.
Buscou as chaves, buscou o buraco da fechadura. Passou pela porta, sem buscar o interruptor. Todas as luzes sumiram, todas as imagens se fundiram em um misto de loucura e sonho.
Acordou com uma faixa de luz em seu rosto, que entrava por uma fresta da janela velha de seu quarto. Observou a poeira dançando sobre a furtiva luz.
Revirou-se na cama, já era tarde. Tentou lembrar-se dos sonhos redentores que havia tido, algo que pudesse salvá-lo daqueles próximos dias;Sem êxito.
Respirou fundo como que não se importava, ou fazia que não.
Andou pelo o que um dia tinha chamado de lar, silencioso, arrastando os pés e passando as mãos no rosto amassado. Nada de importante, só mais um dia.
Chegou naquilo que ele chamava de sala, onde também servia de cozinha.
Sentou-se em seu sofá vermelho, parecia mais sujo do que antes, mais acabado do que antes, porém, não podia culpar o tempo.
Arregalou os olhos sonolentos, bocejou e se espreguiçou acordando os músculos do seu corpo. Passou os olhos pelo lugar e observou a janela em sua frente; Sua visão sempre topava com um velho prédio, sempre em reforma. Ouviu o barulho dos carros lá embaixo. Ainda sentado encostou o pescoço no sofá e observou o teto. Mais uma rachadura.
Com os olhos fechados, respirou fundo. E antes que voltasse a dormir, subitamente levou seu tronco para frente, encostando seus cotovelos nos joelhos. Na mesa de centro, um último maço, com uns dois cigarros dentro.
Pegou o maço e sacou o cigarro como quem saca uma velha arma, que sempre ajuda em certas situações; riscou o fósforo, e o cheiro da pólvora queimada misturou-se com o cheiro do forte cigarro vermelho que fumava.
O primeiro cigarro sempre tem um sabor característico. Logo seu estomago ficou embrulhado e ficou com vontade de vomitar.
Sua cabeça ainda doía devido à ressaca e a fumaça que saia dos seus pulmões, flutuava devagar e densa pela sala, demorando para desaparecer devido ao clima úmido, do dia nublado lá fora.
Chegava até ser um pouco poético, se não fosse tarde de mais para poesia.
Ousou conferir o horário no relógio e verificou:
Realmente, tarde de mais.
Sua poesia tinha ido embora já havia algum tempo, pela mesma porta que entrara, totalmente fora de orbita na noite passada.
Deu mais alguns tragos, e foi em direção à janela. Apoiou os braços no batente e lembrou-se da ultima vez que ela estava sentada ali, naquele sofá,atrás dele. Não queria pensar nisso, mas era inevitável.
Inclinou o corpo para ver a rua, á três andares abaixo. Reparou nos varais pendurados nas janelas dos prédios velhos.
Coçou os cabelos desgrenhados e virou-se. De costas para o mundo lá fora, olhou para o sofá, para seu apartamento, para as trincas na parede, para a sua vida.
Via toda aquela tralha, bagunça e sujeira, tal qual seu estado de espírito. Sem se importar jogou o cigarro pela janela, pois não havia mais espaço no cinzeiro.
Ficou um bom tempo sem piscar olhando tudo aquilo. Escutava o som ambiente da cidade lá fora, escutava o monstro que nunca se calava.
Nada daquilo tinha graça sem ela por perto.
Ela foi e ele ainda tentando se ocupar com coisas banais, na tentativa vã de não pensar nela.
Aquele lugar não era mais o mesmo sem ela, sem cada centímetro do seu corpo preenchendo aquele espaço, preenchendo a sua vida, mas as coisas acontecem assim, não é como num conto de fadas.
Ele sabia que tudo aquilo que sentia, não ia passar tão cedo, essas coisas, se fossem fáceis de esquecer, não seriam tão importantes.
Foi pro banheiro que ainda cheirava azedo e tomou um banho demorado.
Pegou o que conseguia levar, sua jaqueta, maço com o ultimo cigarro e o violão.
Bateu nos bolsos da jaqueta verificando se estava tudo em ordem, buscou seus óculos escuros que estava jogado em cima de algumas fotos espalhadas, logo ao lado da cama. Não fazia sol, mas iria precisar dele.
Pegou uma foto dela, a que ele gostava mais, e guardou no bolso de dentro da jaqueta.
De frente para a porta, por um instante, respirou fundo. A porta daquela espelunca bateu pela ultima vez.
Ele foi para algum lugar. E ela foi para o outro lado.