quarta-feira, fevereiro 04, 2009

Tarde de Mais



Luzes, carros, sirenes, vultos, gritos, caos, noite e de súbito; silêncio.
Cambaleou pela calçada, acompanhando a água do meio fio, que corria mais ligeira do que ele. Chovia pouco, o que indicava que o dia amanheceria nublado; não se importava, já estava encharcado.
Com as mãos enfiadas dentro dos bolsos da jaqueta surrada, sentia-se invencível, pelo menos por fora.
Pisava duro na estrada de pedestres, imunda cheia de poças e lixo. Passava por pessoas felizes saindo de lugares estranhos, porém ninguém passava por ele.
Um sorriso idiota e perdido escapou da sua cara de chapado. Algumas luzes ainda piscavam na sua mente, outras tantas anunciavam o local que estava procurando.
Entrou no prédio velho e acabado, amassado dentro de outros tantos mais acabados ainda.
De dois degraus que subia da escada, descia um.
Buscou as chaves, buscou o buraco da fechadura. Passou pela porta, sem buscar o interruptor. Todas as luzes sumiram, todas as imagens se fundiram em um misto de loucura e sonho.
Acordou com uma faixa de luz em seu rosto, que entrava por uma fresta da janela velha de seu quarto. Observou a poeira dançando sobre a furtiva luz.
Revirou-se na cama, já era tarde. Tentou lembrar-se dos sonhos redentores que havia tido, algo que pudesse salvá-lo daqueles próximos dias;Sem êxito.
Respirou fundo como que não se importava, ou fazia que não.
Andou pelo o que um dia tinha chamado de lar, silencioso, arrastando os pés e passando as mãos no rosto amassado. Nada de importante, só mais um dia.
Chegou naquilo que ele chamava de sala, onde também servia de cozinha.
Sentou-se em seu sofá vermelho, parecia mais sujo do que antes, mais acabado do que antes, porém, não podia culpar o tempo.
Arregalou os olhos sonolentos, bocejou e se espreguiçou acordando os músculos do seu corpo. Passou os olhos pelo lugar e observou a janela em sua frente; Sua visão sempre topava com um velho prédio, sempre em reforma. Ouviu o barulho dos carros lá embaixo. Ainda sentado encostou o pescoço no sofá e observou o teto. Mais uma rachadura.
Com os olhos fechados, respirou fundo. E antes que voltasse a dormir, subitamente levou seu tronco para frente, encostando seus cotovelos nos joelhos. Na mesa de centro, um último maço, com uns dois cigarros dentro.
Pegou o maço e sacou o cigarro como quem saca uma velha arma, que sempre ajuda em certas situações; riscou o fósforo, e o cheiro da pólvora queimada misturou-se com o cheiro do forte cigarro vermelho que fumava.
O primeiro cigarro sempre tem um sabor característico. Logo seu estomago ficou embrulhado e ficou com vontade de vomitar.
Sua cabeça ainda doía devido à ressaca e a fumaça que saia dos seus pulmões, flutuava devagar e densa pela sala, demorando para desaparecer devido ao clima úmido, do dia nublado lá fora.
Chegava até ser um pouco poético, se não fosse tarde de mais para poesia.
Ousou conferir o horário no relógio e verificou:
Realmente, tarde de mais.
Sua poesia tinha ido embora já havia algum tempo, pela mesma porta que entrara, totalmente fora de orbita na noite passada.
Deu mais alguns tragos, e foi em direção à janela. Apoiou os braços no batente e lembrou-se da ultima vez que ela estava sentada ali, naquele sofá,atrás dele. Não queria pensar nisso, mas era inevitável.
Inclinou o corpo para ver a rua, á três andares abaixo. Reparou nos varais pendurados nas janelas dos prédios velhos.
Coçou os cabelos desgrenhados e virou-se. De costas para o mundo lá fora, olhou para o sofá, para seu apartamento, para as trincas na parede, para a sua vida.
Via toda aquela tralha, bagunça e sujeira, tal qual seu estado de espírito. Sem se importar jogou o cigarro pela janela, pois não havia mais espaço no cinzeiro.
Ficou um bom tempo sem piscar olhando tudo aquilo. Escutava o som ambiente da cidade lá fora, escutava o monstro que nunca se calava.
Nada daquilo tinha graça sem ela por perto.
Ela foi e ele ainda tentando se ocupar com coisas banais, na tentativa vã de não pensar nela.
Aquele lugar não era mais o mesmo sem ela, sem cada centímetro do seu corpo preenchendo aquele espaço, preenchendo a sua vida, mas as coisas acontecem assim, não é como num conto de fadas.
Ele sabia que tudo aquilo que sentia, não ia passar tão cedo, essas coisas, se fossem fáceis de esquecer, não seriam tão importantes.
Foi pro banheiro que ainda cheirava azedo e tomou um banho demorado.
Pegou o que conseguia levar, sua jaqueta, maço com o ultimo cigarro e o violão.
Bateu nos bolsos da jaqueta verificando se estava tudo em ordem, buscou seus óculos escuros que estava jogado em cima de algumas fotos espalhadas, logo ao lado da cama. Não fazia sol, mas iria precisar dele.
Pegou uma foto dela, a que ele gostava mais, e guardou no bolso de dentro da jaqueta.
De frente para a porta, por um instante, respirou fundo. A porta daquela espelunca bateu pela ultima vez.
Ele foi para algum lugar. E ela foi para o outro lado.

9 comentários:

Anônimo disse...

adorei kra!
faz muito jus a sua pessoa esta pequena história...

pá. disse...

uau!

Anônimo disse...

muito bom!

Vinícius Linné disse...

Muito bom seu texto. Belas imagens visuais, bela linguagem e bela idéia.
Parabéns.

melk jus disse...

mto legal, intenso pra caramba, tens um poder de descrição bem legal.... é como se estivessemso lá...mto legal!!melk

http://www.hellboynews.blogspot.com/

Barbara disse...

História intrigante, bonita.

Você anda dominado por uma chuva de "momentos pessoais" ultimamente, determinando cada minuto, ganhando tudo. Enfim, há sempre um tanto de vaidade em tudo que fazemos numa situação como essa, apesar de me parecer uma mudaça nada bem-vinda.

Anônimo disse...

Wowwww man
\o
nice a lot \o

Steph Ciciliatti disse...

Se é arrogante e saudável, tá valendo ;)

Manu. disse...

Algumas palavras..e trexos, passaram pela minha cabeça, ao ler seu texto.Talvez vc até saiba as imagens; Me emocionou alguns detalhes que descreveu com cuidado.Gostei mto.
Parabéns esta cada vez melhor.